Projeto Infiltrado (Desde abril de 2007)

Será que um Projeto considerado perfeito, acima da Lei e corrupto, já não conta com infiltrações em seu âmago? Ou há um plano de comentar bastidores e posições dos que arquitetam essas manobras, sem filtros e de forma crítica? Pode ser que haja um esquema pronto para infiltrar nesses sindicatos negros e trazer a público o que muitos não sabem por acontecer nesses bastidores. Ao descobrir o significado do Projeto Infiltrado, você pode colaborar para sua própria execução.


segunda-feira, 21 de maio de 2007

A sina de doentes do SUS no interior

Foto: Mateus Parreiras

Tinha de pegar a estrada com o fotógrafo (Cristiano Couto) para alguma cidade do interior e mostrar como era sofrida a viagem de quem precisa se tratar na capital. Em Belo Horizonte, o entorno da Região Hospitalar, suas praças e largos públicos, ficam sempre repletos de ambulâncias de diversas cidades do estado. Como é a jornada desta gente? Onde ficam? Quanto tempo rodam, em meio ao sofrimento da enfermidade?

Consegui ajuda da secretária municipal de saúde de Alvinópolis, a 200 quilômetros de BH. Só que teríamos de ficar lá até as 3 horas da madrugada, que era quando a ambulância saía, para chegar na capital até as 7 horas. Pior: como a matéria surgiu em cima da hora, teria de redigir tudo quando voltasse. Cerca de 48 horas de trabalho.

O pior é dentro da ambulância escura, com a estrada imersa, num breu danado e o carro chacoalhando de um lado para o outro. O motorista corria bastante e, vez por outra, ainda acabava ultrapassado por outros utilitários tipo ambulância. Cumprimentavam-se trocando buzinas. Mais afeito ao ritmo, pesquei umas duas vezes, chegando até a derrubar o bloquinho no chão. Com a primeira parada, fiquei mais alerta. Mas não foi por causa do cafezinho. Foi porque, sob a luz do posto de gasolina, descobri que meu vizinho de assento tinha uma estranha doença de pele! Pode parecer preconceito, mas isso me acordou. Era um cara simpático, gente muito simples mesmo. Acabei esquecendo disto depois.

Chegando na Santa Casa, em BH, ainda enfrentamos fila para contar como era a saga dos doentes. Depois foi chegar na redação, beber um litro de café e fumar meia dúzia de cigarros, que no outro dia a matéria estava nas bancas.


(HOJE EM DIA – 13/11/2005)

Sofrimento em dose dupla

Mateus Parreiras
Repórter

Enfrentando o frio e a chuva da madrugada em uma longa caminhada pela estrada que leva até a zona urbana de Alvinópolis, na Região Central mineira, onde tomaria uma van para Belo Horizonte, para fazer exames de saúde, a dona de casa Aparecida Silva da Rocha, 51 anos, encarna as dificuldades enfrentadas por milhares de mineiros que deixam suas cidades em busca de tratamento. Humilde, analfabeta, de vida simples na roça, seu destino são os grandes centros Um movimento comum na capital mineira, que acaba tendo congestionado seu sistemna de saúde pública. Nos hospitais belo-horizontinos, a demanda vinda do interior representa 8 mil das 20 mil internações anuais (40%). O índice é o dobro do registrado em São Paulo e Rio de Janeiro, nas mesmas condições.

Nos hospitais das Clínicas e Eduardo de Menezes, por exemplo, doentes do interior representam metade do atendimento. Segundo informações do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), 45% dos tratamentos são de pacientes de fora da capital. A situação se repete nas cidades-pólo, como Montes Claros, no Norte de Minas, Governador Valadares, no Vale do Aço, e Juiz de Fora, na Zona da Mata. Em meio ao cabo-de-guerra, doentes idosos e até bebês enfrentam uma verdadeira maratona em viagens longas e difíceis. Tudo na luta pela cura.


Viagem

Foi assim que, à 1h30 da última quarta-feira, Aparecida Silva começou mais uma jornada. Saiu da zona rural de Alvinópolis, a 163 quilômetros de Belo Horizonte, a pé, por uma escura estrada de terra de 20 quilômetros, até a cidade, para chegar na Farmácia Básica Municipal por volta das 3h30. Lá, pegou a Van que a levou à capital, para exames de hipertireoidismo e na coluna vertebral.

De pouca conversa e andar apressado, encontrou-se com os conterrâneos no ponto de embarque. A viagem começou às 3h40. No interior do veículo, o silêncio é completo. Mal se enxerga as janelas, uma vez que o breu interno é o mesmo em que a ambulância mergulha estrada adentro. O som do motor progredindo e das trocas de marcha se transformam na trilha da viagem. O motorista imprime grande velociadade ao veículo, que sobe urrando aclives e enjambra deslizando nas curvas. Duas senhoras de idade avançada, mal postadas nos bancos duros, murmuram baixinho algumas maldições.

No cato esquerdo, Maria Silveira, 30 anos, protegia com os braços a pequena Clara, de 1 ano, que dormia sob uma fina manta de crochê verde. Vez por outr no caminho, outras ambulâncias ainda mais rápidas, ultrapassavam o veículo, buzinando para cumprimentar o motorista.

Houve apenas uma parada, às 6h20, no Posto Beija-Flor, já na entrada de BH. Aparecida Silva só teve tempo de ir ao banheiro e tomar um cafezinho. “Me deram este papel, e nele está escrito onde devo ir na Santa Casa", disse, sem tempo a perder, exibindo uma guia de pedido de exame toda amassada. Maria e Clara ficaram no Hospital da Baleia.

Às 7h10, Aparecida foi deixada na porta da Santa Casa, última parada da van após os hospitais da Baleia e Mário Penna. Desembarcou e correu para a primeira fila que viu. Depois de quase meia hora mostrando às pessoas alinhadas o seu papel, com letras que, para ela, não tinham nenhum significado, na tentativa de confirmar o local do exame, finalmente, com auxílio da reportagem, descobriu estar no local errado. A fila era para a Oftalmologia. “Tem de ser assim mesmo. Vou procurando até encontrar, sem medo nem vergonha, senão, perco meu tratamento", disse.

Já na fila correta, Aparecida Silva abriu a sacola e mostrou o queijo e a penca de bananas que levava para matar a fome. Nas mãos, o agasalho e uma sombrinha. Com cinco minutos, assentou-se na recepção. Foi atendida 35 minutos depois, 6h50 após deixar sua casa. “Faço exames de dois em dois meses, e tenho dificuldades para me informar. Os médicos explicam muito mal, e, como a Santa Casa é grande, a gente fica perdida". A volta para casa seria às 15 horas. “É até cedo. Às vezes, chegamos de madrugada", conforma-se.

De acordo com a secretária de Saúde de Alvinópolis, Maria das Graças Vasconcelos Figueiredo, o único hospital da cidade, o Nossa Senhora de Lourdes, atende urgências e emergências, e interna casos mais simples. “Enviamos para Ponte Nova quem precisa das especialidades, tomografias e hemodiálise. Para BH, vão cirurgias complexas, neurologista, cardiologista, Aids e câncer".

Para a subsecretária de Saúde de BH, Maria do Carmo, o maior problema são os atendimentos simples, que poderiam ser feitos nos postos de saúde dos municípios e origem. “Muitas cidades, em vez de investirem em estrutura, compram ambulâncias por motivos eleitoreiros ou por imediatismo. Outro grave problema é o aluguel de casas, por prefeituras do interior, para acomodar os doentes. Isso acaba inchando ainda mais o serviço de saúde".

Para tentar melhorar esse quadro, o secretário de Estado da Saúde, Marcus Pestana, pretende blindar a capital, erguendo um cinturão no seu entorno, com ampliação de hospitais em Betim, Ibirité, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano, além do Júlia Kubitschek e do Hospital de Venda Nova.

Maratona é retomada, após horas de espera

Quando começa a escurecer, e as luzes da cidade se acendem aos poucos, a maratona de horas de espera dos pacientes vindos do interior, iniciada na fria madrugada, se aproxima do fim na capital. Dentro das próprias vans e ambulâncias, em bancos de praças, ou nos assentos das unidades de saúde, aguardam a volta dos companheiros de viagem para, enfim, regressar. Olhos cansados e sonolentos, a face apoiada sobre o punho. Uma expressão de desânimo comum à maioria. Sabem que a jornada prosseguirá pelas estradas, e que ainda deverão voltar a Belo Horizonte para a continuidade dos tratamentos, sob as mesmas, e duras, condições.

A todo momento, a lavadeira Maria da Conceição, 70 anos, que não teve registrado o sobrenome dos pais quando nasceu, mudava de posição no banco duro da ambulância, estacionada nos fundos da Santa Casa de Misericórdia. Eram 17h40. Ela veio da zona rural de Moema, no Centro-Oeste mineiro, a 159 quilômetros de Belo Horizonte, com mais nove pessoas, espremidas em cinco bancos e uma maca. “A viagem é muito ruim. Leva mais de duas horas. Cheguei às 9 horas. Demora e é abafado. Além de Doença de Chagas, tive problema na vesícula, que fez minhas vistas escurecerem. Tá uma tristeza só. Vejo só os vultos. Estou tratando na Clínica de Olhos", disse.

As dificuldades não param com a chegada ao hospital. “Depois que termina a consulta, fico sem lugar. Vou bem de devagarinho pelos corredores, e assento um pouco no banco do hospital, depois ando mais e assento na praça. Se a ambulância estiver perto, e o motorista me ver, ele me traz para o carro", conta Maria da Conceição. O dinheiro que traz, dá apenas para um prato de comida. “Para ir ao banheiro, peço para os donos de bares e de botecos aqui perto. Tinha que ter mais apoio para a gente", reclama.

Muitos entregam os pontos, e acabam deitando nos bancos da vans para dormir. Como dois dos cinco passageiros encontrados no interior de um dos veículos da Prefeitura de Manhuaçu, a 278 quilômetros da capital, na Zona da Mata, na última terça-feira. Acordados pela reportagem, reclamaram das condições que têm de enfrentar para tratar da saúde. “Tem vez que chegamos em casa lá pela meia-noite, cansados e mal-alimentados. Quando é assim, o carro só troca de motorista, abastece, e volta para Belo Horizonte", conta a cozinheira Maria das Graças Veloso, 42 anos. Ela trata de câncer de mama no Hospital das Clínicas.

Acostumado com uma época pior, para o aposentado Adair Alves de Souza, 52 anos, a situação melhorou. “Há 10 anos, vinha era de ônibus. Dava um jeito de chegar na consulta, e ainda dormia no abrigo público. Tinha de esconder a chinela debaixo do travesseiro para não ser roubado pelos bêbados", lembra.

Porto Esperança ameniza dores e conforta


Poucos pacientes conseguem aliviar os incômodos do tratamento e da longa viagem até Belo Horizonte, em casas de apoio mantidas por instituições filantrópicas ou pelas prefeituras de seus municípios de origem. Nesses locais não há muito conforto, mas ninguém reclama. Estão protegidos do tempo e dos perigos das ruas, recebem refeições regulares, e se acomodam em um espaço onde podem guardar os poucos objetos pessoais, para passarem uma noite, ou pelo tempo demandado pelo tratamento. No Bairro Jardim América, Região Oeste da capital, boa vontade e donativos de pessoas anônimas mantêm a Casa de Apoio Porto Esperança.

Todos os dias, uma média de 16 pessoas, entre doentes e acompanhantes de todas as partes do Estado, se acomodam nos dez pequenos quartos. Cada aposento tem até três camas, simples e estreitas. Alguns contam com estantes e prateleiras. Em outros, os pertences são guardados sob a cama mesmo. O edifício é limpo, mas precisa de reformas, planejadas para março de 2006. Alguns cômodos exibem marcas de infiltrações e paredes descascadas.

Na recepção, transformada em sala de televisão, uma grande mistura de sotaques regionais sobressai em prosaicas conversas. Assentados em bancos fixos de alvenaria, revestidos por finas almofadas marrons, crianças, jovens, adultos e idosos assistem, juntos, à televisão, fazem crochê, e brincam com jogos de tabuleiro. Cada um deles ajuda como pode na conservação da casa, ora limpando as paredes e o chão, ou na cozinha, preparando uma das quatro refeições diárias, juntamente com os três funcionários ou um dos 30 voluntários que se revezam.

Não fosse o quarto que divide com a mãe na casa de apoio, a pequena Eduarda Heringer, 3 anos, portadora de atrofia muscular espinhal tipo II - doença degenerativa incurável, que enfraquece os músculos e prejudica a respiração -, teria de percorrer, quase toda semana, os 278 quilômetros que separam sua cidade natal, Manhuaçu, na Zona da Mata, de BH. O tratamento é feito no Centro Geral de Pediatria.

Há um mês, ela e a mãe, a dona de casa Neide Marcelino Heringer, 25 anos, contam com a ajuda da Porto Esperança. Antes, acordavam de madrugada e viajavam em uma van lotada. “As consultas e o tratamento aconteciam rapidamente. Mas não podíamos ir embora, porque o carro da prefeitura só volta para Manhuaçu à noite, depois que todos pacientes são atendidos. Enquanto isso, ficávamos sem banho e sem lugar para ficar, com ela no meu colo chorando o tempo todo", lembra Neide.

Além de um lugar para ficar, a casa de apoio representou também uma melhora significativa para a menina, carinhosamente chamada de Duda pelos pacientes. Foi depois de um almoço beneficente organizado pela Porto Esperança que recebeu uma cadeira de rodas ortopédica, que a permite ficar em posição ereta, e usar uma mesinha para seu passatempo preferido: desenhar. Mesmo com toda a atenção e carinho, sente saudades da casa. “Estou desenhando o Léo, meu irmão. Quero ver ele e voltar para minha casa", disse Eduarda. Ainda não há previsão para que a menina deixe a casa. “O tratamento dela é longo", disse a mãe.

A maioria dos hóspedes da casa veio do Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, afirma a diretora administrativa, Maria Elisa Leal Camargos. Gente humilde como o lavrador João Márcio Pereira, 36 anos, de Jequitinhonha, a 677 quilômetros de BH. Portador de miocardiopatia dilatada, aguarda há dois anos pelo transplante de coração. “Tomo 12 comprimidos por dia. Me trazem enjôo, vômitos, falta de ar. Não dava para viajar sempre. Esta casa é uma benção".

- Para fazer doações à Casa de Apoio Porto Esperança, basta ligar para (31) 3373-9410




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Repórter do jornal Hoje em Dia, o jornalista Mateus Parreiras cobre o dia a dia do estado no caderno Minas (cidades) e produz também reportagens especiais. Formado em 2004 pelo UNI-BH, e desde setembro daquele ano no Hoje em Dia, o jornalista já conquistou o I Prêmio de Jornalismo de Interesse Público 2007 do Sindicato dos Jornalistas de MG, o Prêmio Crea-MG 2006, Volvo 2006 e foi três vezes finalista do Prêmio Embratel, em 2005, 2006 e 2008.

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