Projeto Infiltrado (Desde abril de 2007)

Será que um Projeto considerado perfeito, acima da Lei e corrupto, já não conta com infiltrações em seu âmago? Ou há um plano de comentar bastidores e posições dos que arquitetam essas manobras, sem filtros e de forma crítica? Pode ser que haja um esquema pronto para infiltrar nesses sindicatos negros e trazer a público o que muitos não sabem por acontecer nesses bastidores. Ao descobrir o significado do Projeto Infiltrado, você pode colaborar para sua própria execução.


segunda-feira, 21 de maio de 2007

Vida e morte na imensidão de asfalto em minas

Fotos: Mateus Parreiras
Esta foi a primeira grande série de reportagens que fiz e pela qual ganhei o prêmio Volvo 2006 e o prêmio Crea-MG 2006, sendo, ainda, finalista do Prêmio Embratel 2005. Tinha ajudado afazer a pauta, sugerida pelo experiente repórter Gabi Santos, para mostrar como eram as condições e a vida nas principais estradas de Minas Gerais. Quase fui vetado, porque era inexperiente, mas a Leida Reis, minha editora, bateu o pé e conseguiu me manter no grupo. Peguei as estradas do Triângulo e Alto Paranaíba. Fui até o sul de Goiás e norte do Mato Grosso do Sul. A equipe era fantástica. Eugênio Morais como repórter fotográfio e o Seu Valdirzão de motorista.

Nunca uma viagem tão longa poderia ser tão proveitosa. Estávamos afinados. Parávamos a qualquer suspeita. Aquele casebre ali perto da rodovia, será que tem uma história? E o cemitério no alto do morro? No final, voltamos com quatro matérias para a série, uma materinha sobre um antigo museu de automóveis, que ficou fora da série, e ainda uma especial de fim de semana, de duas páginas, sobre as hidrovias daquelas bandas, que estavam sendo reativasdas. Fomos, ainda, abençoados com a história da andarilha que comia animais mortos e levava, na mochila feita de sacos de ração, uma jaguatirica atropelada que queria comer.

Tive de pagar para ela deixar tirar a foto. Porque fui muito afoito e coloquei a mão na mochila dela. A mulher ficou possessa. Quando estava desistindo, ela perguntou: “Não vai me deixar nem um trocado?”. Disse que daria se ela me mostrasse o que tinha no saco. Ela concordou, estranhando um pouco o pedido, já que, em suas palavras, tinha apenas umas coisas que havia catado na estrada para comer. Logo virei para o Eugênio e disse: Acho que ela vai comer um cachorro atropelado, porque o cheiro do saco é de carne podre. Quando ela despejar o bicho, fuzila ele (com as fotos). Eis que caiu a jaguatirica.

As fotos aqui postadas são ilustrativas, pois foram colhidas posteriormente para meu banco de dados particular, mas a maioria se refere aos mesmos trechos da reportagem.

Série: Estradas na Contramão

(HOJE EM DIA – a partir de 14/08/2005)

Ziguezagues na 262

Mateus Parreiras

Enviado especial

UBERABA _ O barulho do aço e dos pesados pneus dos caminhões trepidando ao rodar sobre as costelas e ondulações, atravessando buracos profundos e inevitáveis, acompanham a aventura em que se transformou a viagem entre Belo Horizonte e o Triângulo Mineiro pela rodovia federal BR-262. Nas carrocerias das carretas são transportadas toneladas de soja, cana-de-açúcar, feijão e café, entre outros, que precisam chegar às Ceasas de cada região do Estado. Para escapar dessas armadilhas, na tentativa de preservar seus veículos, condutores se arriscam em manobras perigosas, ziguezagueando pelas duas mãos da estrada.

Basta rodar sete quilômetros depois do início da via em Betim - cerca de dez minutos com tráfego bom - para, a partir do KM 372, em Juatuba, em meio aos condomínios de luxo, pastos e fazendas à margem, surgirem buracos largos e profundos, ondulações e saliências com mais de 25 centímetros se revezando até Pará de Minas, 46 quilômetros depois. As ondulações são o problema mais preocupante na opinião dos motoristas, principalmente caminhoneiros. Formados em ambos sentidos, os obstáculos obrigam a invasão do acostamento ou uso do espaço entre a metade da pista e a contramão, e são pouco visíveis.

Situação tão crítica que criou oportunidade para um comércio de peças. No km 395, ainda em Juatuba. Uma pequena venda construída de madeira e lona na margem da rodovia lucra vendendo calotas usadas, que custam a partir de R$ 5. Dezenas delas, de todas as marcas, foram dependuradas em árvores para chamar a atenção dos condutores. Além das peças, o comércio oferece CDs, queijos, doces caseiros, sacos de carvão, vidros de pimenta e pão com lingüiça. Três pessoas trabalham no local. Com medo de sofrer algum problema com a lei, não revelaram os nomes completos. Segundo Hamilton, 47 anos, mais de cem pessoas por dia freqüentam a barraca. “Tem gente que vem lanchar e compra calota, e gente que leva a calota e acaba comprando mais alguma coisa", disse. A fonte de matéria prima é a própria estrada. “Passa um carro correndo sobre o buraco, a calota solta, e vem rodando até aqui. Com esse dinheiro, sustento meus três filhos", conta.

A primeira obra encontrada pela reportagem foi no KM 395, em Florestal. Com enxadas, pás, picaretas e compactadores, sob o Sol forte das 12 horas, sete operários da Spel Engenharia tapavam dezenas de grandes buracos com asfalto. Medida considerada paliativa pelo professor de motores da Faculdade de Engenharia Mecânica da PUC-BH, Marcley Lazarini Pereira. “Os remendos parecem resolver, mas sua grande concentração funciona como buracos em alto relevo, que trazem os mesmos problemas e ainda deixam soltos os parafusos e juntas do carro devido à trepidação que provocam", acredita Lazarini. O engenheiro Márcio Fernandes, diretor do Crea-MG, concorda. “Tampa-se o buraco, mas não se concerta o subsolo. É questão de tempo para que o rombo aflore novamente", acredita.

De acordo com informações do Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes (Dnit), a Empresa Ecoplan Engenharia Ltda foi contratada e está em fase de aprovação o projeto de restauração, adequação e duplicação da BR-262, trecho de Betim a Nova Serrana, segmento do KM 351,1 ao KM 435,2. O custo é de R$ 2,3 milhões.

Além de tantos obstáculos na jornada até o Triângulo, outra armadilha enfrentada pelos condutores são as queimadas nas beiras de estradas, muito comuns na sequidão do inverno, e cuja fumaça forma densas cortinas escuras que bloqueiam a visão dos motoristas. Até a chegada em Uberaba, a reportagem encontrou sete queimadas.

Excesso de peso não encontra restrição na rodovia

UBERABA - É relativamente fácil transitar com excesso de peso pelas rodovias sem ser punido. A prática é uma das mais nocivas às estradas e causa os buracos e saliências. Os caminhoneiros admitem a prática justificando que o preço do frete é muito baixo. Há dois tipos de fiscalização nas vias, feitas nos postos da Receita Estadual e da Polícia Rodoviária Federal.

Na receita, são sorteados os veículos suspeitos. Caem na malha menos de 1% dos 3 mil veículos que passam diariamente pelo posto do município de Estalagem, admite o chefe do controle, Luiz Carlos Cruz Anastácio. “É uma amostragem o que fazemos. Escolhemos caminhões que transportam milho, soja, feijão e café. O motorista apresenta sua nota e o enviamos para a balança para conferir se o peso declarado é o mesmo transportado. Caso não seja, mandamos abrir as lonas e multamos em 32% do valor excedente da carga. Às vezes descobrimos mais irregularidades. Uma vez encontramos um carregamento de computadores entre a carga de milho", conta.


Sem multa

Não há multa por excesso de peso nos postos da Receita. Cabe à PRF autuar esse tipo de infração. Mas os policiais não dispõem de balanças, tendo de confiar nas notas fiscais da receita. “Para ludibriar a polícia, os caminhoneiros que passam pelo nosso posto dividem sua carga e trazem duas notas fiscais para serem carimbadas. Quando são parados pela PRF, mostram apenas uma delas, legalizada pelo carimbo e condizente com o peso permitido", revela Luiz Carlos.

O policial rodoviário federal Ademir Agostinho de Campos, que trabalha em um posto móvel adaptado em uma van, geralmente estacionada no km 578 da BR-262, reconhece as dificuldades. “Nem posto temos, quanto mais balança. Há três meses que contamos com doações das prefeituras locais - Córrego Dantas, Estalagem e Campos Altos - e de empresas de transportes para construir nosso posto. enquanto isso, observamos o excesso de peso em caminhões muito lentos ou naqueles que freiam, bruscamente quando nos vêem. Ultimamente, nosso maior trabalho é ajudar carros em pane", desabafa. O telefone para emergências em estradas federais é o 191.

Lata velha e pneu careca para vender ursinhos em Belém

IBIÁ - Se para a maioria dos motoristas a viagem pela BR-262 é uma aventura perigosa devido às más condições da pista, para um grupo de 15 vendedores ambulantes da cidade de Moema, no Centro-Oeste, a 159 quilômetros da Capital, é apenas o início dos buracos e tráfego intenso, já que o objetivo é Belém, no Estado do Pará. A jornada dos mineiros começa na madrugada. Despedem-se das esposas e filhas e amarram a mercadoria - ursinhos coloridos de pelúcia - no teto do velho ônibus Mercedes-Benz, ano 1979, de lataria avariada, pneus carecas, vidros imundos e muitos remendos. Somente a metade dos assentos da parte da frente do veículo é usada pelos passageiros. Atrás deles ficam os pertences dos viajantes, dentro de mochilas velhas e de sacos de lixo.

Na traseira do veículo, duas motocicletas antigas, mas bem limpas e conservadas, foram afixadas a um suporte, sobre o qual pintaram o lema do grupo: “Os 100 Juízo". Um dos vendedores, Délio Jonas Vieira, 37 anos, explica: “Só não tendo juízo mesmo para encarar uma estrada destas por uma semana, até chegar em Belém, passando pela Transamazônica, atolando, morrendo de medo dos assaltantes e dos caminhoneiros que dormem ao volante", disse.

O retorno à cidade natal, e o reencontro com os familiares, só 35 dias depois. “Vamos vendendo os ursos de porta em porta, oferecendo-os nos semáforos e nas ruas mesmo. É o nosso ganha-pão", conta.

Para diminuir a solidão, uma mistura de música sertaneja e cachaça da terra. “Aqui somos uma família. Um ajuda o outro. Se viajamos de dia, observamos a vida passar pela janela, enquanto estamos aqui dentro do ônibus. Quando escurece, a solução é cantar, bater palmas, assobiar, beber cachaça até dormir. Contamos piadas e até choramos juntos. Se a saudade aperta muito o coração, vemos as fotos da esposa, dos filhos, dos pais. Um consola o outro, sonhando com a hora de voltar para casa, ficar mais alguns meses com os familiares. Depois começa tudo de novo, estrada afora", desabafa Délio

A rodovia como morada

Mateus Parreiras

Enviado Especial

LUZ - A imensidão asfáltica da BR-262 é o seu mundo, sua sobrevivência. De andar difícil, mas constante, sob o Sol quente da tarde, olhar baixo e os cabelos desgrenhados, sujos pelo pó negro que se desprende do pavimento irregular, assim como as roupas e o corpo miúdo, Regina, 31 anos _ que não lembra o sobrenome _, vive do que a estrada lhe fornece, mora em suas margens, sem destino, sem memória, sem futuro, marchando diariamente, anônima para os demais usuários das vias, viajantes ou caminhoneiros. Eles estão sempre apressados demais para reparar na pequena andarilha, que mede pouco mais de um metro e meio.

Regina perambula à margem da principal ligação entre Belo Horizonte e a região do Triângulo Mineiro - terceira maior economia do Estado, cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) gira em torno de 12%, cerca de R$ 14 bilhões, mesmo tendo menos municípios que os primeiros, Região Central e Sul.

A andarilha não tem família ou amigos nem qualquer tipo de laço em alguma cidade. Vaga na estrada sem saber há quanto tempo, circulando pela região do município de Luz, mas preferindo ficar longe das cidades. “Meu pai morreu quando era pequena e minha mãe me deu para uma outra família, onde trabalhei de cozinheira e de lavadeira. Era uma fazenda. Fiquei muitos anos com eles, trabalhando. Tinha irmãos e pais, mas eles não me querem mais. Me bateram muito. Fizeram muita maldade. Achei melhor ir embora. Saí e nunca mais voltei nem vou voltar", conta.

Fome e frio

Jogada à própria sorte, ela enfrenta fome e frio, espremida no acostamento onde pesados caminhões de aço carregados passam próximos, deslocando tanto ar que quase levam consigo o mato comprido e amarelado da beira da estrada. “Às vezes fico até três dias sem comer. Quando passo por um posto de gasolina, peço comida. Mas a maioria do que como, encontro na estrada mesmo", afirma.

Nas costas, a andarilha traz dois sacos de adubo feitos de fibras plásticas, amarrados por fios de cobre e que formam as alças de uma mochila improvisada. Dentro dos sacos, os alimentos que consegue. “Achei na rodovia, perto da serra de Luz, um cacho de bananas verdes e um bicho atropelado. Vou assar o bicho e fazer uma sopa junto com as bananas", conta, apontando com os dedos imundos e calejados para os sacos de onde pingava sangue.

Jaguatirica

Antes mesmo de abrir os sacos, o cheiro fétido e nauseante do animal em decomposição exala do saco. Assim que o abre, outra surpresa: a pequena andarilha retirou uma jaguatirica de pêlo pintado e dentes afiados que fora atropelada na BR_262. O corpo duro, estraçalhado pelos pneus dos automóveis, estava repleto de moscas e formigas. “Acho que esse bicho dá para comer. Já comi urubu uma porção de vezes e não achei ruim não. É só cozinhar bem que fica uma delícia", diz ela, sem qualquer demonstração de repulsa ao prato do dia.

Para dormir, Regina conta com o abandono em que se encontram os postos de fiscalização pela BR_262. É na ausência dos fiscais, que deveriam cuidar para que cargas pesadas não deteriorassem a estrada, que encontra o seu repouso. “Às vezes, saio para passear e durmo nos postos vazios, onde não venta muito e dá para fazer fogo para cozinhar. De vez em quando, entro pela cerca de alguma fazenda e durmo perto de onde os bois bebem água", diz a andarilha. Antes de se despedir, Regina ainda desafaba: “Na estrada, ninguém nunca parou para me ajudar. Tenho medo dos caminhoneiros, porque eles fazem maldades".

Engenheiro relata como surge um buraco na estrada

LUZ - Começam lentamente e de forma imperceptível, abaixo do pavimento, no solo que sustenta a estrada. Depois que aparecem, sua evolução é rápida. Asfalto de má qualidade, projetos mal executados, falta de manutenção, excesso de peso. De acordo com o diretor do Crea-MG, engenheiro Maurício Fernandes, esses são os fatores mais comuns para o aparecimento dos buracos nas estradas mineiras.

O especialista afirma que uma estrada deve ser projetada para durar 15 anos em média. “As rodovias brasileiras não duram dez anos. São projetos mal executados que permitem infiltrações que amolecem o subsolo, deixando a camada asfáltica sem sustentação, e ela acaba por ceder. O excesso de peso por eixos também abrevia a vida útil das vias, levando o material a uma fadiga prematura. Outro fator que vem sendo sentido ao longo dos anos é a queda da qualidade do asfalto fornecido pela Petrobras. Talvez pela necessidade em se extrair mais componentes do petróleo para desenvolvimento de outras matérias, em detrimento ao asfalto", acredita.

A deterioração da via atinge o bolso do brasileiro antes mesmo que este saia de carro pela estrada, afirma o professor de motores da Faculdade de Engenharia Mecânica da PUC-BH, Marcley Lazarini Pereira. “Os modelos de carros das montadoras estrangeiras acabam sofrendo modificações e recebendo reforços para suportar por mais tempo nossas rodovias. Os custos depois são embutidos no preço. Carro não é feito para trafegar em estrada esburacada", disse.

As primeiras peças a sofrerem com buracos e ondulações são os pneus, rodas e amortecedores. “O amortecedor tem uma vida útil contada em ciclos - cada movimento de subida e descida. Em boas vias ele quase não é usado. Já nas estradas ruins, trabalha muito mais, abreviando sua vida. Bem como os pneus e rodas, que se danificam até em pequenos buracos", avalia Lazarini. Em casos mais extremos, a quebra de um amortecedor ou de uma roda pode levar a graves acidentes.

Danos que os caminhoneiros sentem na pele. Como o mato-grossense Cleiber Aguiar Lobo, 47 anos, que quebrou seu caminhão no KM 628 da BR-262 e esperava sozinho, por mais de duas horas pelo socorro. “Levei carne para o Rio de Janeiro e voltava vazio para Rio Verde, em Goiás. Vim por esta rodovia para evitar os pedágios e economizar R$ 360. Só que tantos buracos e a trepidação provocada pelos remendos e saliências, afrouxaram tanto os parafusos que meu eixo-cardã caiu. O prejuízo não será menor do que R$ 3 mil", conta.

Carona na rodovia é o único transporte até a escola

SÃO GOTARDO _ Agitando o polegar direito para o sentido do destino, e com uma pequena plaquinha de papelão onde exibe o nome da cidade impresso, uma dupla de jovens de São Gotardo, a 259 quilômetros de Belo Horizonte, enfrenta o medo e tenta a sorte pegando carona na beira da BR-262. Uma rotina que durará pelo menos três anos, duas vezes por semana, se os amigos de infância Washington Rodrigo Neto Costa, 19 anos, e Lucas Rodrigues, 15 anos, quiserem se formar como técnicos agrícolas no município de Bambuí - 128 quilômetros distante da cidade natal. Muitos outros colegas de curso, que vivem na região, também se valem do mesmo artifício para conseguirem chegar à escola.

A BR-262 é fundamental para eles, já que liga as estradas que levam às duas cidades. Vestidos de uniformes brancos e com as mochilas pesadas pela quantidade de roupas e material de estudo, os dois ficam sob o sol forte, pacientes, à espera de vaga no carro de algum viajante, na boléia e até mesmo na carroceria dos caminhões. “Tudo depende do dia, da hora em que se pega a carona. Pode ser rápida ou levar mais de três horas. Quando fica muito tarde e escuro, é hora de desistir, tentar dormir em alguma cidade e tentar cedinho, na manhã do dia seguinte", conta Washington.

Na jornada incerta, contam com a proteção das orações dos pais e também com a sorte. “Sabemos que é perigoso pegar carona. Não dá para adivinhar quem está assentado atrás do volante do caminhão. Pai e mãe ficam com o coração na mão. Alertam para que prestemos atenção à 'prosa' do motorista. Eles tentam há muitos meses conseguir transporte pela prefeitura, mas, até agora, nada. O que não podemos é abrir mão dessa oportunidade de estudar e de depois conseguir uma condição melhor, quem sabe até trabalhar com agricultura em algum lugar perto de casa", espera Lucas.

Nessas idas e vindas, ambos passaram por momentos difíceis. “Certa vez ficamos com medo de entrar dentro do baú lacrado de um caminhão. Lá dentro era escuro e muito quente, quase sufocante. O caminhoneiro disse que, qualquer coisa era só bater na carroceria que ele parava. Mas não daria para ele escutar. Oramos muito e acabou tudo bem. Outra vez, o caminhoneiro esqueceu da gente e nos deixou muito longe. Tivemos de pegar outras duas caronas. Já aconteceu também do nosso dinheiro acabar e a gente ficar morrendo de sede", lembra Washington.

RODOVIA DA EXCLUSÃO

(HOJE EM DIA - 17/08/2005)

Mateus Parreiras

Enviado Especial

CHAVESLÂNDIA - Com tantos buracos, sinalização deficiente e falta de manutenção, algumas estradas representam a exclusão de certos municípios, principalmente nas divisas com outros estados. Exemplo disso é a pacata Chaveslândia, no Triângulo Mineiro, que faz limite com Goiás. Segundo os moradores locais, as péssimas condições da BR-365 impedem que muitos produtos essenciais cheguem à cidade, estrangulando o comércio, diminuindo o padrão de vida e incentivando a emigração.

Chaveslândia é distrito de Santa Vitória, bem no “nariz" do Triângulo, às margens do Rio Paranaíba. No povoado moram pouco mais de 2 mil pessoas, que sobrevivem da pesca e do comércio. As casas simples e o andar sem pressa daquele povo de chapéus e botinas não deixam transparecer a angústia dos comerciantes, como do pescador aposentado Eurico Souza Barbosa, 61 anos. “Viver na fronteira, onde a única ligação com o resto do Estado é uma rodovia vergonhosa, toda esburacada até Ituiutaba e Uberlândia, é muito complicado. Fomos esquecidos pelo Governo. Não chega quase nenhuma mercadoria mais por aqui. Logo isso aqui vai virar cidade-fantasma, com os jovens indo embora e os velhos que não agüentarem mais trabalhar morrendo abandonados", lamenta.

A sina dos chaveslandenses começou há 27 anos, quando a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) construiu uma barragem no Rio Paranaíba para a implantação da Usina Hidrelétrica de São Simão. “Fui pescador por 47 anos. Com o dinheiro do peixe, construí minha chácara, e consegui até um certo conforto. Mas, depois que a usina começou a funcionar, os peixes desapareceram aos poucos. Lá não tem escadarias para que eles atravessem a barragem", acusa. De acordo com ele, os peixes mais valorizados - pintados, dourados, jaús e caranhas -, desapareceram. “Hoje, só fisgamos peixes de segunda como mandis, curuínas e piauzinhos, que são menos apreciados", completa.

Pousadas

Mesmo assim, certos pescadores ainda insistiram. Investiram na construção de pousadas nas margens do rio e em restaurantes à beira da BR-365. Mas, com a lenta deterioração do asfalto, o fluxo de clientes e de fornecedores diminuiu. Dono há 12 anos de um restaurante próximo à ponte de 450 metros sobre o Rio Paranaíba - divisa com Goiás -, Barbosa calcula ter perdido cerca de 40% da clientela pela dificuldade de acesso pela estrada e a diminuição de produtos para oferecer. É só pedir um refrigerante, cerveja ou cigarro. A venda se restringe a duas marcas menos populares. “Caminhões de grandes marcas de refrigerante não passam por aqui há mais de um mês. Cigarro então, nem me lembro quando o último passou", conta.

Situação ainda mais alarmante é a do abastecimento de alimentos. “Só conseguimos comprar frutas, verduras e legumes da Ceasa de Uberlândia de 15 em 15 dias. Ainda assim, não dá para escolher. Ou pega o legume danificado ou fica sem. Até peixes nós temos de comprar, bem ao lado de um rio desse porte", reclama. Para reduzir custos, o comerciante mudou de alvará. Só funciona agora até as 14 horas. Na pousada ao lado, refeições só por encomenda feita no dia anterior.

Cidade deserta

Durante o dia, a cidade fica praticamente deserta. A maioria dos moradores trabalha no lado goiano, na cidade de São Simão. Ainda assim, quem resolver almoçar no restaurante de Eurico Barbosa, poderá desfrutar de uma grande variedade de pratos fartos, feitos com muito capricho e preço baixo. “Enquanto tivermos forças nos braços, vamos insistir", desabafa.

De acordo com informações do Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes (Dnit), as obras de recuperação do trecho da BR-365 até Chaveslândia ainda estão em fase licitatória. O gerente de Projetos e Ações Ambientais da Cemig, Antônio Procópio Sampaio Rezende, informa que levará pelo menos dois anos para que estudos científicos feitos junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para o licenciamento ambiental da usina seja concluído.

“Enquanto isso, temos peixamentos - criadouros - em laboratórios de Volta Grande, onde armazenamos e depois soltamos alevinos nativos em todos nossos barramentos. Caso o estudo exija, poderemos fazer escadarias e elevadores para facilitar a transposição dos peixes para a piracema, época em que se reproduzem", diz.

BR-365 é liberada, mas perigo continua

PATOS DE MINAS _ Nem a interdição do trecho compreendido entre o KM 546 e o KM 582 da BR-365 por determinação da juíza federal da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia, Lana Lígia Galati, foi suficiente para garantir a segurança aos romeiros que fazem a tradicional peregrinação até o Santuário de Nossa Senhora da Abadia das Águas Sujas, na cidade de Romaria, cuja festa aconteceu na última segunda-feira. É que a pista, já liberada pela Justiça, continua deteriorada, com buracos e ondulações, no restante da via até Uberlândia, no KM 555, e até Patrocínio, KM 692. Os veículos que nela trafegam fazem manobras perigosas para se desvencilhar das depressões, em alta velocidade, invadindo o espaço dos pedestres.

Em grupos pequenos, vestidos com chapéus, bonés, de mochilas nas costas, garrafas de água dependuradas ao corpo e lanternas nas mãos para sinalizar aos veículos alertando sobre sua presença, todos os anos os romeiros que partem de várias regiões do Triângulo Mineiro para peregrinar relatam histórias de medo na rodovia. O fiel Sérgio Borges da Cunha, 66 anos, deixou Uberlândia com duas colegas de trabalho e o filho de uma delas. “Rezo durante a viagem para agradecer pela minha graça alcançada - um emprego -, mas sigo rezando por proteção nessa rodovia perigosa. Os carros não respeitam o acostamento", reclamava.

Em um dos sete pontos de descanso onde voluntários fornecem alimentos, água, massagem e cuidados médicos aos romeiros, mais histórias de tensão na via, como os vividos pela dona de casa Telma Eugênia Jorge, 40 anos. “Estava escuro. Um caminhão apareceu voando na curva. Estava ultrapassando outro pelo acostamento. Minha filha gritou e todos que estavam caminhando, uns cinco ao todo, tiveram de pular no mato para escapar. Todo ano um romeiro morre", sugere.

Cansados dos acidentes graves que ocorrem no trevo entre a BR-153 e a MG-255, em Frutal, moradores da região se mobilizaram e espalharam cartazes pedindo a construção de um viaduto no local. É que muitos carros não respeitam a placa de “Pare" e avançam o cruzamento em alta velocidade, protagonizando graves acidentes. O encarregado de leilões Silvestre dos Reis Silva, 49 anos, mora próximo ao trevo e prestou socorro a muitos amigos vítimas de acidentes. “Num dos casos, o carro atravessou a BR-135 e bateu contra uma carreta. Pegou fogo, e todos os três ocupantes morreram carbonizados presos às ferragens", lembra.

De acordo com o Dnit, não há previsão para implantação de um viaduto no local e, segundo a Polícia Rodoviária Federal, em 2004 houve 427 acidentes, 271 feridos e 39 mortos. Só neste ano, até junho, 13 pessoas morreram e 160 se feriram em 228 batidas.

Cruzes do terror na BR

Mateus Parreiras

Enviado Especial

UBERLÂNDIA - Nos primeiros quilômetros da BR-365, no sentido Uberlândia/ Patrocínio, há um trecho sinistro que poderia muito bem servir de locação para filmes de terror. Deixando a maior metrópole do Triângulo Mineiro, a paisagem é bem tranqüila. Pastos intermináveis se estendem em vastas planícies. Vez por outra, aparecem galpões e casas de campo. A estrada é composta de retas quilométricas, de asfalto regular e acostamentos invadidos pelo mato. A partir do KM 675, as coisas mudam. Bandos compostos por dezenas de urubus negros se banham empoleirados em mourões de cercas para se aquecerem ao sol. Uma grande quantidade de cruzes em seqüência aparece. Todas têm coroas de flores encaixadas em suas hastes. Nos cem quilômetros seguintes, são 18 cruzes.

Não são esparsas, solitárias em um canto do acostamento. Erguidas em grupos de três ou quatro em uma mesma área, são lembranças de desastres automobilísticos onde, em um mesmo dia, muitas vidas foram levadas. Na aproximação com as cruzes, percebe-se que estão desgastadas, com nomes ilegíveis e datas encobertas pela ferrugem e poeira asfáltica.

Bem no meio do capim queimado no acostamento do KM 675, entre fragmentos de pára-brisas e lanternas, e pedaços da borracha dos pneus dos carros e caminhões, três cruzes de metal enferrujado ostentam coroas de plástico recentes. Dentre as três vítimas, apenas o nome de Dori Edson Domingues ainda pode ser lido, acima da data de 15 de dezembro da década de 90, pois apenas o 9 do ano em questão pode ser identificado.

Alvos negros

Como nenhuma das flores derreteu com o incêndio que se alastrou pelo mato em volta, supõe-se que alguém da família continua, ano após ano, trazendo as flores para aquele local, prestando seus sentimentos, suas saudades. Sob o sol da manhã que aquece o asfalto, onde caminhões pesados e automóveis trafegam em altas velocidades, as sombras daquelas cruzes antigas projetam-se no solo desenhando alvos negros no capim queimado.

Pouco à frente, cerca de 15 quilômetros, mais quatro cruzes de metal azul com marcas de ferrugem, e vestígios de homenagens póstumas. O desastre aconteceu em 1986, mas ainda hoje elas servem de alerta aos motoristas, pois o local onde ficam é cercado por pequenos postes e está capinado. Com nomes legíveis, as vítimas foram João Henrique, 19 anos, e Ciceno. Até o motorista envolvido no desastre recebeu homenagem em uma cruz própria, onde ele aparece como “Carreteiro".

Seis quilômetros depois, mais quatro cruzes com coroas plásticas encaixadas entre as hastes, sem nomes, apenas com a data de 26 de maio de 1996. Ao lado das cruzes, o ambulante da cidade de Prata, Olavo Cândido Bernardes, 49 anos, que circula em sua bicicleta carregada de garrafas pet para reciclagem, admite que tem muito medo de trafegar pela via.

Arrepio

"Aqui já aconteceu coisa ruim demais. Há alguns anos morreram nove bóias-frias quando um caminhão tombou. Dá até arrepio passar por aqui. Às vezes tenho a impressão de que vejo gente que não está no lugar de verdade, como miragem. Pode ser o sol quente na cabeça, mas prefiro rezar e olhar diretamente para meu caminho pela rodovia. De noite não passo aqui de jeito nenhum. Tenho medo que aconteça algo comigo também, assim como aconteceu com tanta gente", afirma.

O policial rodoviário federal Tiago Portilho, que fazia uma fiscalização de rotina depois do trecho das cruzes, garante que ultimamente não houve grandes acidentes.

Acampamento camuflado de sem-terra em área do Dnit

ITUIUTABA - No alto de um barranco coberto pelo capim verde e as árvores de cerrado, na altura do KM 768 da BR-365, município de Ituiutaba, um pequeno acampamento de sem-terra quase passa desapercebido pelos motoristas, camuflado entre a vegetação. Ao todo, 20 famílias armaram seus barracos com bambus e paus revestidos por lona, palha e com telhado de barro ou telhas de amianto. Sua vida é estreitamente ligada aos caminhos que cruzam a rodovia, e dela chegam os recursos para sua alimentação.

Não fosse a lavradora Ana Lúcia dos Santos, 50 anos, descer pelos pequenos degraus escavados no barranco e contidos por tábuas, para encher dois baldes e uma garrafa d'água na mina que os sem-terra abriram à beira da rodovia, o acampamento não seria visto. “Essa água que encontramos serve para fazer tudo, do banho aos alimentos", conta.

Um dos coordenadores da invasão, o lavrador Eraldo de Melo Santos, 39 anos, informou que a área onde estão pertence ao Dnit, é local provisório, já que aguardam a desapropriação de uma fazenda localizada a 5 quilômetros. “Esperamos pela desapropriação, enfrentando os insultos dos caminhoneiros e a pressão dos fazendeiros que temem novas invasões. Mas a rodovia é boa para nós. Por ela seguimos aos locais onde encontramos recursos importantes para a sobrevivência", afirma.

Pelo estreito acostamento, onde carretas passam rentes aos trabalhadores, eles conseguiram encontrar bambuzais, lenha, árvores frutíferas e até eletrodomésticos usados. Com um fogão velho e enferrujado, de quatro bocas, os sem terra montaram um forno a lenha, adaptando tijolos à entrada do velho forno. No fundo do aparelho inserem a lenha para assar os alimentos. Com os bambus, montaram suportes para uma pia e até banheiros comunitários. Latas de óleo de caminhão e pneus se transformaram em vasos para o cultivo de ervilhas, tomates e pimenta.

"KD A OBRA" é pergunta deixada na 050

UBERABA - A pior estrada encontrada pelo HOJE EM DIA na viagem ao Triângulo Mineiro é a BR-050 - principal ligação entre Uberaba e Uberlândia. No começo da via, há obras de duplicação e construção de pontes - algumas ativas e outras paralisadas. Encontram-se boas pistas separadas e duplicadas onde as intervenções foram feitas, entre o KM 68 e KM 74, e entre o KM 65 e o KM 82. A parte sem manutenção, do KM 95 ao KM 118, parece a superfície lunar. Repleta de buracos com mais de 20 centímetros de profundidade, panelas que tomam quase toda pista, rachaduras enormes e o acostamento é apenas um espaço de terra.

Considerado “crítico" pelo Dnit e uma das piores rodovias do Triângulo pela PRF, e ainda ironicamente referido pelos locais como “cinqüentão", a simples visão do carro de reportagem na estrada foi motivo para que motoristas parassem para reclamar. Populares deixaram, inclusive, um recado na placa de obras do Dnit: “KD A OBRA?".

Logo no início do trecho ruim, uma carreta de Uberaba que carregava adubo para Uberlândia estava parada e seu motorista, Juarez pereira da Silva, 41 anos, corria para todos os lados catando peças espalhadas no asfalto. “Isso daqui são lonas de freio, borrachas de cuia, triângulo e o macaco da caixa de ferramentas do meu companheiro que seguia à frente. Ele me pediu pelo rádio para recolher o que pudesse. As porcas dos parafusos que prendiam a caixa se soltaram e ele saiu arrastando as ferramentas", contava.

Menos de três quilômetros à frente, bem depois de uma barreira do Dnit, uma carreta carregada de refrigerantes havia tombado. Seu motorista, Carlos Roberto Carvalho, 47 anos, culpa os buracos e panelas. “Estava a 35 km/h, muito pesado, quando o pneu entrou em uma depressão, fez a carga inclinar para o lado do barranco e a carreta tombou. Saí pelo pára-brisa. Meu caminhão acabou. Acho que o banco vai me tomá-lo", lamenta. Além dos refrigerantes, restos de garrafas de cerveja e de louça sanitária de outros carregamentos também se acumulavam em montes nas margens da BR.

Na 365, depois de Romaria, há buracos fundos de onde os veículos levantam terra ao passar, que obrigam os motoristas a fazerem manobras arriscadas em curvas fechadas ou a trafegarem a menos de 60 km/h. Nem o carro do HOJE EM DIA resistiu a tantos obstáculos e furou dois pneus.

Mas quem consegue vencer os buracos e demais obstáculos impostos no trajeto pela BR-050 até Uberlândia, é surpreendido pela luz intensa da maior cidade do Triângulo Mineiro, que rompe a escuridão noturna como se fosse o último resquício de um pôr do sol no horizonte. Tantos estímulos visuais são uma gratificação a mais para os caminhoneiros que rodaram noite adentro, cansados e solitários, e que buscam descanso, alívio para as tensões, conversa com demais companheiros e diversão

Nenhum comentário:

Contatos

projetoinfiltrado@gmail.com

...

PROJETO INFILTRADO

Minha foto
Repórter do jornal Hoje em Dia, o jornalista Mateus Parreiras cobre o dia a dia do estado no caderno Minas (cidades) e produz também reportagens especiais. Formado em 2004 pelo UNI-BH, e desde setembro daquele ano no Hoje em Dia, o jornalista já conquistou o I Prêmio de Jornalismo de Interesse Público 2007 do Sindicato dos Jornalistas de MG, o Prêmio Crea-MG 2006, Volvo 2006 e foi três vezes finalista do Prêmio Embratel, em 2005, 2006 e 2008.

...