Projeto Infiltrado (Desde abril de 2007)

Será que um Projeto considerado perfeito, acima da Lei e corrupto, já não conta com infiltrações em seu âmago? Ou há um plano de comentar bastidores e posições dos que arquitetam essas manobras, sem filtros e de forma crítica? Pode ser que haja um esquema pronto para infiltrar nesses sindicatos negros e trazer a público o que muitos não sabem por acontecer nesses bastidores. Ao descobrir o significado do Projeto Infiltrado, você pode colaborar para sua própria execução.


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Expedição Quilombolas do Gurutuba

Fotos: Luiz Costa









Este jornalista desatolando o carro, na estrada para os quilombos

Esta foi uma das reportagens mais legais que já fiz. Fui saber que faria no meio da cobertura de um evento religioso no Estádio Mineirinho. A colega e amiga Cláudia Resende me ligou perguntando se poderia viajar para o Norte de Minas por uns três dias, porque ela não podia. Não sabia direito o que era, mas certamente algo mais empolgante do que estava fazendo.


Topei. Chegando à redação, descobri que era uma matéria sobre um grupo de quilombolas - descendentes de escravos que ainda vivem nas áreas de quilombos – que receberia alfabetização por meio de um programa da Fundação Banco do Brasil. Grande oportunidade para escarafunchar um pouco a situação deles e ver se não saia de lá com uma bela matéria.


Na fotografia, escalaram o querido repórter fotográfico Luiz Costa - Luizinho para os íntimos. Estava tudo perfeito. Iríamos numa quinta-feira e voltaríamos num sábado. De avião, com a assessoria da FBB, sairíamos de Belo Horizonte e pousaríamos em Montes Claros, a 422 quilômetros. Só que o negócio começou a desandar...


Em cima da hora, na quarta-feira, a assessoria entrou em contato comigo e avisou que não conseguiram as passagens, porque os vôos estavam lotados e me pediram mil desculpas. Pedi no jornal um transporte, mas não havia disponibilidade de carro para a viagem.


Só que eu queria ir de todo jeito. Já tinha tudo na cabeça e só desistiria depois de beijar a lona e ouvir o gongo. Propus ao Luiz tomar um ônibus, naquela noite mesmo e ir para lá. Teríamos de ir a Janaúba, no Norte de Minas, a 451 quilômetros de BH. É que o evento principal seria lá. Depois, articularia uma visita ao quilombo. Ele topou.


Foi o caos. Já havia trabalhado para o dia e redigido matéria. O Valter, motorista sangue bom, me levou correndo para a rodoviária. Enquanto eu comprava a passagem, ele levou o Luizinho em casa para juntar as malas. sem parar nem para respirar, me pegou e levou em casa.


Me arrumei voando. Avisei a namorada e já encontrei com o Valter de novo e o Luiz, que me esperavam na porta de casa, dentro do carro do jornal. Fomos para a o Rodoviária e, em menos de 30 minutos, já estávamos na estrada.

Foram mais de 10 horas de viagem. Chegamos e só deixamos as coisas no hotel. Pegamos um táxi e corremos para a cerimônia. Só lá pelas 10h30 é que encontramos com a assessora, a Vânia, muito gente boa, e com a colega Phydia de Athayde, da Carta Capital.


Fizemos a matéria e combinamos como seria a visita ao quilombo. No dia seguinte a Vânia apareceu com um carro alugado e um motorista para nos pegar. Eram 60 quilômetros até a vila principal, chamada Novo Palmares. Só que, de lá, deveríamos seguir para as demais vilas do quilombo. Para tal precisaríamos de uma guia, moradora local, já que o motorista de Montes Claros não conhecia o caminho. Pelas contas, um de nós deveria dirigir, já que somavam a guia, Vânia, Phydia, Luiz e eu num Paliozinho.


Titubeei e o Luiz pulou para o volante. Tive um pouco de medo por que a estrada estava muito ruim e pioraria quilombo adentro. Por isto e porque nós sempre zoamos o Luiz com este negócio de dirigir e tal. OK. Já que era ele, o negócio foi apoiar. Isso ai cara! Vai lá, mas com cuidado! Tem muito barro e o carro tá cheio. Segue os trilhos dos pneus! Segue os trilhos!


Depois de roçar pela relva espinhenta que pendia dos barrancos e atropelar como um touro todos os buracos, Luizinho mergulhou solene sobre um charco de barro puro, onde atolamos até a metade das rodas. Veja nas fotos como foi complicado desatolar o carro. Sorte que fomos ajudados por um grupo de vaqueiros. Enquanto dois deles e eu levantávamos e empurrávamos a frente do carro, o Luiz acelerava de ré, mandando lama na gente. O carro saiu e o Luiz foi deposto. Assumi o volante e então conseguimos atingir os quilombos.


Nós dois acabamos por dormir lá mesmo para sentir mais o drama, ouvir mais histórias. Como a Vânia e a Phydia precisavam viajar no outro dia, nós teríamos de voltar de moto. A Vânia combinou com dois motoqueiros uma carona logo cedo, no outro dia. Nos levaram até Janaúba, em mais ou menos 2 horas de garupa.


Chegamos moídos no hotel. Corri para uma Lan house para mandar a matéria do dia. Tomamos um banho relâmpago, pegamos rapidinho nossas tralhas e corremos para um boteco para beber descontroladamente, já que nosso ônibus só sairia por volta das 20 horas. Chegando à BH, terminei a matéria e dormi como um bebê. Até hoje não sei qual a melhor história, a matéria em si ou a aventura... Valeu Luizinho, grande abraço!



Foto: Mateus Parreiras
Quilombolas lutam por cidadania
(HOJE EM DIA – 23/04/2006)

Mateus Parreiras
ENVIADO ESPECIAL

NOVO PALMARES (PORTEIRINHA) - Depois de escapar dos grilhões e dos troncos das fazendas e minas de uma sociedade escravocrata, no século XVIII, fugindo para bem longe, cerrado adentro, onde a malária impedia o branco de chegar. De formar uma sociedade composta por 27 povoados, e de novamente serem vítimas dos brancos, na década de 1950, que tomaram grande parte das suas terras, mais uma vez os povos quilombolas, da Região de Gurutuba, no Norte de Minas, batalham por sua sobrevivência. São 6.500 descendentes de escravos fugidos ou libertos, que, até cinco anos atrás, mal faziam idéia de sua ascendência.

Povo amável, sorridente, calmo, de modos simples, jeito ingênuo e paciente, de sotaque peculiar, que se organizou, foi reconhecido pelo Governo e outras 17 entidades, e agora permeia programas e incentivos do Estado e de parceiros para sobreviver, preservar sua cultura e resgatar as terras ancestrais.

A recuperação da história, cultura e retomada das propriedades começou há seis anos, com o trabalho científico do antropólogo Aderval Costa Filho, que percebeu as similaridades entre os habitantes das vilas, seus costumes e histórias, e de um homem simples, brincalhão, de fala mansa e sorriso fácil, o lavrador Nicolau Quaresma Franco, 68. Foi com a ajuda dele que os Gurutubanos, desconfiados dos brancos, permitiram uma abertura. «Achei sentido no que ele dizia. Que a gente era parecido e que era quilombola. Fizemos quatro visitas com estudos em cada casa da comunidade, até conseguir um documento do Governo reconhecendo a gente como quilombola. O que queremos agora é nossa terra de volta», afirma.

Antes, os Gurutubas formavam uma grande área comum de aldeias, de Francisco Sá ao Sul da Bahia, a 60 quilômetros da cidade mais próxima, que é Porteirinha. Deste tempo, o lavrador Marciano Fernandes de Souza, 86 anos, um dos mais antigos da comunidade, ainda tem saudades. «Na minha época, tinha mais liberdade. Criava cabra, ovelha, boi, porco e galinha, sem cercas. Respeitando a frente da casa e o quintal da pessoa, qualquer um podia plantar uma roça de milho, uma rua de feijão, melancia. Hoje, quem não tiver comprado uma terrinha, não tem vaca para tirar leite nem cercado para plantar», conta.


A atuação de grileiros e de fazendeiros no passado, isolou as comunidades entre 127 grandes fazendas e propriedades menores. Muitos acabaram indo embora, deixando saudades na busca por sobrevivência. Os que ficaram, vivem dispersos, em casas de adobe, de varas ou de pau, chão de terra batida, com telhados de palha, lona ou telhas de cerâmica artesanal, e pouco mais de um quintal para cultivar. A água, muitas vezes, tinha de ser conseguida longe, até seis quilômetros de distância, no calor implacável do cerrado, em córregos ou no Rio Gurutuba, que chegou a secar com a construção de barragens particulares. Situação que se agravou ao ponto de ser necessário a escavação de poço no seu leito seco para chegar até a água.


Mudanças que o lavrador Marciano acompanhou e viveu. «A fartura aqui antes era muita. As mulheres trançavam a linha na trama para fazer rede e jogar no Rio Gurutuba. Uma vez, pescaram dois surubins deste tamanho (mostra os braços abertos), que precisaram de três homens para tirar da rede. O couro do bicho, esticado na mesa, parecia o de um novilho. Agora não tem mais peixe», lembra. Dos fazendeiros e grileiros, mágoa pelos que tiveram de deixar suas terras.


«Eles tinham jagunços, vestidos com gibão de couro, canela de couro e andavam com paus, facões e armas. Ameaçaram, bateram e até mataram quem não queria ir embora da terra. Eu mesmo não consegui agüentar. Colocaram fogo no meu pastinho», lamenta.


Foto: Mateus Parreiras

Tradições começam a ser resgatadas

Debaixo do pé de juazeiro, do lado da casa de quatro cômodos, construída com tijolos artesanais de barro e de adobe, chão de terra e telhado de telhas feitas da lama do próprio quintal, o lavrador Nicolau Quaresma Franco, 68 anos, morador da comunidade de Taperinha, tem todo um aparato rústico para fazer farinha de mandioca torrada, alimento típico dos quilombolas do Vale do Gurutuba. Por cima de sua casa, cabos energéticos do programa federal Luz para Todos, alimentam um rádio. Água não precisa mais ser buscada longe, a um quilômetro e de balde na cabeça. Vem agora encanada de um poço comunitário furado pela Associação dos Quilombolas.


Nicolau mostra com alegria a terra de onde tira o sustento para ele, dois filhos e uma neta. «Nós plantamos o milho, feijão Gurutuba e mandioca. É com isso que sustento minha família», afirma. Com auxílio desses programas, o senhor Nicolau se diz pronto para seguir com o grande sonho de ser alfabetizado, juntamente com outras 403 pessoas da comunidade, no projeto-piloto de Alfabetização Quilombola BB Educar, da Fundação Banco do Brasil.


Ele é um exemplo dos beneficiados da formação de uma entidade, a Associação dos Quilombolas do Vale do Gurutuba, que traçou prioridades e procurou parceiros. Seriam três as principais, de acordo com o presidente da Associação, Dernerval Fernandes Oliveira: terra, água e educação. «Tínhamos um laudo antropológico e o reconhecimento do governo de que somos quilombolas. Então, escrevemos um calhamaço com todas nossas necessidades e enviamos para Brasília, prefeituras, Governo do estado», conta.


De acordo com ele, assentamentos saíram do papel, alojando parte da comunidade que vivia de favor ou em invasões. «Ainda está longe do ideal. Precisamos de terra para plantar e sobreviver, e não tem isso em todos os assentamentos. Conseguimos trazer luz elétrica para algumas comunidades, abastecemos de água 85% do nosso povo e conseguimos uma escola de 1ª à 8ª série e ainda um projeto de alfabetização de adultos. Agora, queremos incentivos à produção de farinha, galinhas, e outros alimentos, além de partilhar nossa cultura com a comunidade», diz.


Um dos exemplos é a integração das crianças à capoeira e das mulheres à aula de bordado na sede da Associação na Comunidade da Taperinha. Apesar de manter tradições culturais de artesanato, dança e música, com tambor e palmas, e dos festejos de datas santas, os Gurutubanos haviam perdido a história de sua origem. Artes comuns a outras comunidades negras, como a capoeira e a marambaia (tipo de crochê) são agora resgatadas.



Saudade dos que partiram


COMUNIDADE JACARÉ NOVO (PORTEIRINHA) - A miséria em que ainda vive parte do povo quilombola do Vale do Rio Gurutuba, entre sete municípios do Norte de Minas, é muito distante da situação de seus antepassados na mesma região. A sistemática grilagem das terras, aos poucos dissipou a cultura, trouxe a pobreza onde antes havia fartura e levou a emigração, que separa mãe de filho, avô de neto, irmão de irmã.

Na comunidade de Jacaré Novo, onde seis casebres de tijolos de barro e madeira, e uma pequena venda se dispõem em volta da pequena Capela de Nossa Senhora dos Remédios, a principal fonte de renda vem da festa organizada para a santa, entre 30 de agosto e sete de setembro, quando parte dos quintais e dos terrenos são alugados para barraquinhas e a gente da aldeia pode trabalhar.


É neste cenário de desolação que a dona de casa e responsável por cuidar da igreja, Maria Pereira de Araújo, 56 anos, mãe de oito filhos, e seu marido, Severino Guimarães, 55, doente de parkinson, tentam sobreviver. «Antigamente meu avô tinha muita terra. A gente vivia e trabalhava solto, cuidando do gado. Hoje, está uma dificuldade. Não tem terra para trabalhar, só na fazenda dos outros. Veio gente de fora e fez meu avô assinar uma escritura e ele não sabia de escrita. Perdeu o que tinha», lamenta Severino.


O desespero de sua esposa é aplacado com determinação e esperança. «Com o marido doente e duas filhas sumidas, tento tocar para frente. Aramos e plantamos a terra de um fazendeiro, aqui perto, junto com os vizinhos, para ver se conseguíamos salvar 11 litros de milho. Com ele, dá para fazer mingau, cuscuz, milho verde cozido, angu e fubá, além de poder dar para as galinhas que a gente cria solta. Só que a seca foi muita e não salvou quase nada. Agora, para não morrer de fome, aproveitei o canteiro da igreja para plantar quatro ruas de feijão de catador», disse.


A casa onde vivem, de tijolos de adobe, foi emprestada por amigos da comunidade, que se mudaram para assentamentos, há 11 anos. O interior é repleto de rachaduras, que rasgam as paredes de cima até o chão de terra batida. Barro e lama são adicionados às fissuras para tentar conter sua expansão. Os esteios do teto também estão podres e ameaçam ruir.

No quintal da casa escura, sem lâmpadas elétricas, passado o fogão à lenha, uma pequena cabana vazia de bambu e de palha, estraga solitária cercada pelo mato que cresce. «Esta era a casa da minha filha, Ivanilde Pereira de Araújo, que hoje tem 21. Fiz a casa para ver se ela ficava aqui, mas acabou indo embora para Jaíba com o marido vaqueiro, que não conseguia emprego. Ela e a outra, a Maria Jiava Ferreira, de 27, que foi para Patos de Minas, levaram meus netos. Tem mais de três anos que não vejo elas. Mas deixo o barracão lá, pro caso de uma voltar», suspira a mãe emocionada.


Para forçar a criação de mais assentamentos, um grupo de quilombolas invadiu e montou acampamento em uma propriedade, com dívida de mais de R$ 2 milhões, rebatizada Novo Palmares. Lá, além das pessoas morarem em barracos apertados de varas de madeira, lona e palha, como o do lavrador Alexandro Antunes Quaresma, 47, onde sua esposa e três filhos se apertam em duas camas, funciona uma escola estadual, a única da região, onde os quilombolas aprendem o ensino fundamental.


Crianças pequenas, que enfrentam a noite, sozinhas, a escuridão e mais de três quilômetros de caminhada pelas estradas de terra cercadas de mato. Sofrimento que pode acabar, de acordo com o presidente da Associação dos Quilombolas de Gurutuba, Dernerval Fernandes Oliveira. «Um juiz emitiu mandado de reintegração de posse dessa fazenda, que está em território quilombola reconhecido, completamente endividada, improdutiva há mais de dez anos, e onde funciona a única escola de ensino de 1ª à 8ª série da região», afirma, indignado.


Foto: Divulgação
Conhecimento para manter herança quilombola
(Hoje em Dia - 24/04/2006)

MATEUS PARREIRAS

ENVIADO ESPECIAL

JANAÚBA - Aos poucos, as linhas e contornos desenhados com capricho pelos dedos ásperos, mas determinados, da lavradora Lina Batista, 65 anos, tornam-se palavras simples, mas de enorme importância para esta descendente dos escravos da comunidade de Gorgulho, na Região de Gurutuba, Norte de Minas. Pouco depois, ela lia o próprio nome. Lina é uma dos 403 alunos que se formaram na semana passada, em Janaúba, Norte de Minas, no projeto-piloto Alfabetização Quilombola, integrado ao Programa BB Educar, do Banco do Brasil. Dividida entre sete municípios, e a 60 quilômetros do centro urbano mais próximo, a Região dos Gurutubas é formada por 27 comunidades que sobrevivem da agricultura de subsistência e pastoreio. A população de 6.500 pessoas é composta por descendentes de escravos fugidos dos engenhos e fazendas locais, e dos que se embrenharam no Cerrado em busca de uma morada, depois da assinatura da Lei Áurea, de 13 de Maio de 1888, que extinguiu a escravidão no Brasil.


"O projeto foi muito maravilhoso. Agora quero aprender mais. Sei que quem escreve e tem leitura pode deixar em anotação aquilo que é antigo e foi ruim para os outros. E também o que já teve de bom e de sofrido na comunidade. Fome, quando tive fraca de roupa (sic), e as nossas festas com os amigos, as rezas de religião", conta a lavradora. O programa de alfabetização de adultos existe há 15 anos, mas apenas no ano passado se voltou para as comunidades quilombolas.

Por meio de 50 alfabetizadores formados e capacitados dentro das próprias aldeias, a cultura e os costumes típicos dos descendentes dos escravos foram usados para ensinar o bê-a-bá e as operações fundamentais. Metodologia que deu bons frutos e possibilitou filho e neto ensinarem aos pais e avós, como o jovem Elzo Ramos de Aquino, 19 anos, morador do Assentamento Califórnia, erguido dentro do terreno quilombola, que formou 18 alunos. "Ensinei minha mãe, meu pai, tios, irmãos e pessoas da comunidade. É muito importante ler e escrever. No passado, fazendeiros se aproveitaram dos analfabetos e fizeram eles assinar escrituras em branco cedendo nossas terras", conta.


História que a mãe do rapaz, Selvina Gomes de Aquino, 43 anos e seis filhos, viveu na pele. "Tinha oito anos quando um fazendeiro fez meu pai assinar uma escritura passando os 12 alqueres de terras que eram do avô de meu pai. Depois, chegaram mandando a gente ir embora, dizendo que a terra não era mais nossa. Tivemos de morar de favor. Meu pai viveu mais três anos tentando ter as terras dos nossos parentes de volta. Chegou a pagar por seis alqueres, mas o homem não devolveu. Ele morreu sem conseguir nada", lembra Selvina. É por este motivo que ela, ainda com dificuldades para ler e escrever, está orgulhosa do filho educador. "Fiquei muito feliz quando ele me disse que ia ensinar na nossa comunidade. Só que disse que era para fazer direito, para escutar os alunos dele e para fazer coisas boas para que os alunos imitassem", diz Selvina.

Indagada sobre seu primeiro desejo após ser alfabetizada, com um sorriso espontâneo e olhar ao longe, disse que faria uma carta assim: "Meu sobrinho Joaquim Ramos. Estou com muita saudade desde que você foi embora da comunidade para Belo Horizonte. Gosto muito de você e até sonho com você
voltando para nos visitar. Você é meu sobrinho preferido. Estamos te esperando com a comida que mais gosta, o franguinho na panela com mandioca. Beijos e abraços da sua tia Selvina", recitou, com lágrimas nos olhos.

Fotos: Divulgação









Alfabetização (e) e os alfabetizadores quilombolas (d)

Experiência de MG subirá o sertão

A experiência com os quilombolas mineiros será estendida, provavelmente neste ano, para o sertão do Piauí, próximo à Teresina, na comunidade de Mimbó, afirma a coordenadora da Fundação BB Educar e responsável técnica pelo Alfabetização Quilombola, Regina Toniazzo. "A experiência aqui foi muito positiva e nos ajudou a formatar estratégias para atuar nas sociedades quilombolas. A peça-chave para que todo este processo dê certo é a capacitação de gente das próprias comunidades". Segundo ela, o próximo passo em Minas será buscar parcerias com universidades, para que os conhecimentos dos educadores sejam ampliados, e eles possam ser credenciados pelo Ministério da Educação e Cultura. Professores de fora ficam pouco e não têm identidade com os Gurutubas.

Grande parte do programa original teve de ser adaptado à realidade dos descendentes dos quilombos, de acordo com a coordenadora. "Distribuímos óculos para aqueles que enxergavam mal, fizemos merenda ensinando os a usar dos recursos que plantam, de forma higiênica e dentro das poucas terras que dispunham", afirma Toniazzo.


Para o antropólogo e coordenador do núcleo de Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Aderval Costa Filho, que fez uma tese de mestrado sobre a comunidade após conviver seis meses lá, alfabetizar não destruiria a cultura dos quilombolas. "Quando o quilombo foi formado, no século XVIII, era protegido por uma grande área infestada de malária.Depois da década de 1950, os perigos foram os grileiros e fazendeiros da região, que aproveitaram-se da falta de conhecimento dos Gurutubas. Hoje, eles sabem da importância de serem educados, sem que isso interfira na sua identidade".


O coordenador do Ministério do Desenvolvimento Social afirma que estão sendo tomadas medidas judiciais para que as terras griladas da comunidade Gurutuba sejam devolvidas, por meio de desapropriação do Estado. Idéia que muito agrada os descendentes dos quilombos, como Elzo Ramos. "Roubaram terras onde plantávamos comida, para plantar capim e colocar gado. Eram nossas terras, dos nossos ancestrais. E o mais triste é que, sem terras para os filhos, as famílias acabam se mudando daqui ou sendo exploradas pelos fazendeiros", lamenta. (M.P)

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PROJETO INFILTRADO

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Repórter do jornal Hoje em Dia, o jornalista Mateus Parreiras cobre o dia a dia do estado no caderno Minas (cidades) e produz também reportagens especiais. Formado em 2004 pelo UNI-BH, e desde setembro daquele ano no Hoje em Dia, o jornalista já conquistou o I Prêmio de Jornalismo de Interesse Público 2007 do Sindicato dos Jornalistas de MG, o Prêmio Crea-MG 2006, Volvo 2006 e foi três vezes finalista do Prêmio Embratel, em 2005, 2006 e 2008.

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